É comum hoje em dia quando falamos da
escola, elencarmos problemas como: escolas em áreas de vulnerabilidade social,
professores desestimulados, alunos desinteressados, violência na escola,
público diverso e a necessidade de saber lidar com essa diversidade no ambiente
escolar, resultados insatisfatórios no rendimento escolar, índices
consideráveis de repetência, abandono escolar, entre outros. Diante desse ‘muro
de lamentações’ ficam no ar os questionamentos: como a escola responde a esse
mundo de diversidade (?), como a escola corresponde a sociedade atual (?),
quais as palavras que poderíamos associar a escola que expressasse seu
significado na nossa sociedade (?).
Segundo o Professor Rubem Barboza Filho
(2012)¹ se fizermos essa pergunta sobre ‘o que a escola significa’, relacionada
à sociedade francesa, poderemos associar palavras como: trabalho, aprender,
refletir, comunicar, escutar – que nos traduz racionalidade, alinhada com o
pensamento Republicano, com o governo. Assim podemos dizer que a escola francesa
é a “expressão da tradição francesa republicana, ao princípio de que todos são
iguais, numa escola que sabe o que quer, numa sociedade que tem clareza sobre
esse querer, que tem tradição”. Ainda segundo o autor, se
direcionarmos essa mesma indagação aos norte-americanos, poderemos associar
palavras como: esporte – treinar o corpo pra disputa sobre regras – na
faculdade: argumentação, treinar pra melhor argumentar (típico de uma sociedade
democrática). Podemos dizer que o que prevalece para os norte-americanos é o
pragmatismo, onde materializam os valores e fundamentos da revolução americana,
da guerra civil, onde a liberdade e igualdade se faz criando cidadãos
responsáveis pela sua ação, sua tradição republicana. Percebemos com facilidade
a perpetuação do ideário do herói americano, nos meios de comunicação em massa,
como no cinema, na televisão, nos gibis e na própria escola.
Mas ao trazermos esse questionamento
para a nossa sociedade brasileira, como responderíamos essa questão? Quais
seriam nossas referências e quais palavras estariam associadas ao significado
de nossa sociedade e de como a escola elabora essa significação no seu
cotidiano? Considerando o nosso processo civilizatório, Barboza Filho (2008) destaca
que o processo brasileiro foi fruto de miscigenação, foi de “baixo para cima”
(contrário ao processo europeu que se deu e ainda o é, de cima para baixo).
Compreendemos assim, ao analisarmos nossa história de colonização que a noção
de império é diferente da noção de república, não havendo a intencionalidade no
império de considerar todos iguais, com os mesmos direitos. A análise de nossa
história é fundamental na tentativa de localizar as nossas significações e
referências, mas é também nessa retrospectiva que nos deparamos com um cenário
oscilante, onde o movimento parece ser sempre no sentido de iniciar um novo
tempo, apagando o anterior, ou seja, desconsiderando o processo histórico de
construção dessa nossa identidade, do que poderíamos chamar de ‘tradição
brasileira’. Podemos dizer que no Brasil “nós destruímos todas as nossas
identidades prévias – não temos passado – nós nos fizemos desgarrados das
nossas culturas ancestrais”.
O precitado autor nos lembra que não
temos no Brasil um discurso hegemônico, ele é ainda um grande mistério pra nós
e isso acaba sendo custoso para a escola, o que não a imobiliza, pelo
contrário, faz da escola um lugar fundamental e privilegiado de refletir sobre
o lugar aonde ela está, localizar as suas referências com base nas referências
daquela comunidade. Na nossa trajetória, não fomos um sociedade ordenada pela
Coroa, por quem nos ‘governou’, no início da formação de nossas comunidades.
Fomos uma sociedade que foi se fazendo, criando seus tipos, suas formas de
sociabilidade, de expressão. E falando em expressões, importante referência pra
compreender nossa tradição, são as expressões artísticas. Se considerarmos que
Minas Gerais se fez essencialmente por mestiços, mesclando, no decorrer da
história, escravos imponentes, que eram príncipes em suas tribos, com escravos trabalhadores
que entendiam de mineração; portugueses pobres, que vieram atrás do ouro e
intenção de fazer fortuna e voltar pra Portugal, com portugueses do norte de
Portugal, já mais letrados – a expressão do barroco mineiro não fica limitada a
expressão de uma arte, mas sim de uma forma de vida, visível nas cidades
mineiras referência desse período.
Quando voltamos nosso olhar para Ouro
Preto, por exemplo, não contemplamos um simples cidade com obras de arte, mas
sim a própria obra de arte, o teatro de uma sociedade, ao mesmo tempo que é a
expressão do que se quer ‘desenhar’ para uma sociedade. Barboza Filho nos
lembra que na retórica de Aristóteles convencemos as pessoas pela imaginação e
não pela razão, com a imaginação nós podemos mexer com as emoções, com os
afetos das outras pessoas – o Barroco elege a capacidade de persuadir as
pessoas como seu mote – teoria da verossimilhança – eu mexo com a alma do outro
a partir de algo que já existe na mente da pessoa, levando essa referência para
o seu imaginário. Persuasão, segundo Aristóteles, é a única forma de construir
uma cidade, uma civilização. O Professor Rubem destaca que no Barroco as
pessoas precisam se “fenomenizar”, ou seja, deixar claro o conceito na sua
própria representação, não existindo o oculto, o que não é visualizado. Assim,
o homem barroco é em si teatral e o mundo barroco é o mundo da arte – “não
adianta o rei dizer que era rei, ele precisava criar uma ‘teoria barroca’ do
rei”.
Mas como todas as nossas grandes
disputas tinham as disputas de terra como base, o movimento da Primeira
República, segundo o autor, foi a expressão as vontade da oligarquia rural, que
vence a vontade do Imperador – “Dom Pedro não governou para os interesses das
elites, dos latifundiários, da classe economicamente dominante”. Com a
independência ocorreu uma ruptura com o movimento ocorrido em Ouro Preto, com o
desenvolvimento de uma sociedade de ‘baixo para cima’. Prevaleceu a partir daí
o ideário de um Estado progressista, que buscou se desenvolver a partir das
referências européias. A tradição popular foi obscurecida pelo romantismo
fantasioso, pois ao contrário do Barroco, o Romantismo trabalha com o
inverossímil – é a fabulação das narrativas para a reconstrução arbitrária de
uma tradição. Renegamos definitivamente o movimento ocorrido em Ouro Preto (que
foi uma cidade com um enorme potencial democrático), surge Belo Horizonte que
assume a vez de capital, e traz consigo a representação da razão.
Não ocorreu com o ideário romântico a
pretensão de recriar a história do Brasil, mas ao eleger como base a natureza,
o Romantismo brasileiro renega a fenomenização do que obrigatoriamente
precisava ser experenciado visualmente no movimento barroco e ao fazer isso,
renega a própria tradição cultural construída até ali. E vai buscar as
referências no que existiu até mesmo antes de nós, a natureza e o índio
integrado a ela. A arte romântica cria uma realidade que não é a expressão do
real, onde prevalece o símbolo, onde a forma e o conteúdo se harmonizam, se
encontram – “ele busca o real de nossos sentimentos”. A Nação passa a ser vista
como uma comunidade imaginária e os países são subjetividades buscando sua
própria interioridade. Mas se considerarmos que somos sentimentais, emocionais,
podemos dizer que o romantismo faz parte da tradição brasileira. Mas em termos
de referência, de significados, vale questionar a prevalência desse imaginário
na história do Brasil e a forma como a escola lida com essas fantasias e com a
prevalência desse imaginário.
A LINGUAGEM
Ao passearmos rapidamente por nossa
história, provocando reflexões sobre nossa cultura e tradições e a construção
de nossos ideários, significados e referências, temos a linguagem como
representação de um povo, como a própria razão desse povo, pois a língua está
presente em tudo, na palavra, nos gestos, nas ações, etc. Barboza Filho
ressalta que a verdade sai do campo dogmático e vai para o campo da linguagem e
que toda língua tem seus espaços de razões, sendo que quem cria a língua, um
‘jogo de linguagem’ é a experiência concreta da sociedade, de seu povo. Mas o
autor também nos lembra que a língua não é só o território da liberdade, ela é
também o território da tradição e precisamos conhecer e dominar a sua tradição
para podermos realizar os diferentes jogos de linguagem. Essa compreensão é
fundamental principalmente na escola, que se apropria da língua e de suas
regras como se fosse dela, levando muitas vezes os alunos a pensarem que eles
não sabem a própria língua. Se existe diversas possibilidades de ‘jogos de
linguagem’, não podemos dizer que o aluno ‘fala errado’, na verdade ele está
usando um determinado ‘jogo de linguagem’
Observando os conjuntos específicos de
formas de vida que estão presentes na nossa linguagem, considerando a
sociologia, podemos destacar três linguagens: a linguagem dos interesses, da
razão e dos afetos. Na linguagem do interesse cada um de nós existe antes da
sociedade, temos nossos direitos individuais que não nos podem ser negados
(pensar, ir e vir, etc.), nessa vertente de linguagem a sociedade se organiza
como um contrato entre indivíduos, estes criam a sociedade e o mecanismo que
distribui justiça: o mercado, onde todos entram no ‘mercado’ com os mesmos
direitos e deveres, esse ‘mercado’ é livre e racional – cada um persegue seu
próprio ‘bem’. Ao Estado cabe a garantia da realização desses direitos,
permitindo que cada indivíduo usufrua daquilo que elegeu como sendo o seu ‘bem’
– não é o Estado fazendo pelo indivíduo, mas dando condições pra ele fazer.
Nesse tipo de linguagem está a prevalência do ideário norte-americano, a
tradição da sua sociedade.
Na linguagem da razão, segundo
Descartes, o homem existe depois da sociedade. Referenciando Kant quando
afirma: “haja de tal maneira que sua idéia possa ser universal”, percebe-se que
quem tem que ser preservada é a comunidade, o interesse social. Aqui
encontramos o ideal francês.
Já para a linguagem dos afetos, o homem
só existe nas suas ‘relações sociais’, buscando criar formas de relação que
revelem e desenvolvam as nossas potências, nossas capacidades, chamado por Marx
de “modos de produção”. Também como referência na defesa dessa linguagem,
Aristóteles, São Thomas, as religiões.
Voltando para a questão escolar,
percebemos que a escola precisa entender e harmonizar as tendências dessas três
linguagens – “no processo pedagógico, as três linguagens precisam estar
presentes”. Voltando a questão inicial, dos ‘problemas escolares’, com essa
reflexão percebemos ainda que as amarras que prendem o fazer escolar, impedindo
que ele se faça de forma mais produtiva para todos e menos sofrível, é a
insistência em forçar modelos, ou linguagens que não correspondem ao que
realmente somos. Como destaca Barboza Filho, tendemos a conceber a escola como
a que doutrina, impositiva, de cima para baixo, definimos um modelo francês de
escola, mas nossos alunos não são franceses, a escola tem que corresponder aos
nossos próprios vínculos, caso contrário, a clientela continuará ficando
alijada, longe da escola.
¹ BARBOZA Filho, Rubem. As Linguagens da Democracia. RBCS Vol. 23 n.o
67 junho/2008. [Semana Presencial no Curso de Mestrado Profissional em Gestão e
Avaliação da Educação Pública – CAEd/UFJF. Julho de 2012.
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